Sunday, August 21, 2011

    Relato de Viagem a África


    Por que África?

    Além do meu interesse pela cultura negra, fiz meu mestrado sobre o livro A Varanda do Frangipani, do autor moçambicano Mia Couto, abordando fenômenos da oralidade na literatura. Além disso, meu raciocínio era de que seria mais vantagem conhecer um país menos europeu e americanizado que o nosso e respirar outros ares.

    No meu plano inicial, o objetivo era conhecer a cidade de Cape Town, muito visitada por brasileiros. Curiosamente, nossos compatriotas vão a Cidade do Cabo para estudar inglês e saem em grupos pela cidade. Por isso faço duas críticas: a primeira que não se pode considerar a Cidade do cabo “The real África”, a segunda, mais que sabida, para se aprender um idioma é necessário uma verdadeira imersão na língua e, considerar que é possível se comunicar o tempo todo em inglês o tempo todo com um colega brasileiro, duvido muito.

    Voltando. Considerando que Joanesburgo está a cerca sete horas por terra de Maputo, capital de Moçambique, pensei: porque não conhecer a o lugar  tão poetizado por Mia Couto em sua literatura? Feito o plano, comprei minha passagem com quatro meses de antecedência para Cape Town, com escala na capital sulafricana e solicitei meu visto aqui mesmo, via correio por meio da Embaixada moçambicana em Brasília. Aos que pretendem conhecer o país, é possível tirar o visto na imigração mesmo.

    Ao desembarcar no aeroporto de   Joanesburgo, no dia 2 de janeiro, por volta das 8 da manhã, recebi o “welcome” de dois policiais à paisana, solicitando-me que o mostrasse o passaporte. Surpreso e relutante, hesitei em entregá-lo. Um deles tentou puxá-lo das minhas mãos, não entreguei, depois mostrou-me sua identificação e disse rispidamente: sou policial!,  em seguida tive meu passaporte “tomado”.

    Ele perguntou-me para onde iria e respondi que ia para Maputo. Solicitada a minha passagem disse que ainda não havia comprado, pois não sabia se iria de ônibus ou de avião.  Dadas as informações preliminares o policial me convidou a segui-lo, “dar uma passeada” pelo aeroporto. Passamos em uma sala, tiraram a cópia de duas páginas do meu passaporte, depois fomos em direção a saída do aeroporto.

    Os policiais só se comunicavam em Zulu, portanto não entendia nada, como resultado desta não compreensão, muita coisa passava-se pela minha cabeça, tensão total. Mostrei minha reserva do "hostel" e  não deram importância alguma. Perguntei se havia algum problema e disseram que não. Paramos numa  sala onde havia policiais uniformizados e pensei: só falta eles terem interpretado que eu os desacatei por não entregá-los o passaporte prontamente.  Pediram que eu me sentasse e aguardasse um momento. Um dos policiais atrás do balcão olhou-me fixamente e disse: gostei do seu relogio; um daqueles da 25 de Março comprado na “banquinha”.

    Enfim, seria deportado para o Brasil? Eles “plantariam” algum flagrante em mim?  Cerca de 20 minutos depois retornaram e convidaram-me a entrar em um carro Oficial. Perguntei para onde iríamos e me disseram que iam fazer um raio X em mim.

    Saímos do aeroporto e a cabeça a mil. Rodamos uns dois quilômetros e chegamos ao Hospital, já estava pensando que teria os meus órgãos “doados”. Orientaram-me a ficar somente com a parte de baixo e colocar uma bata branca. Em seguida deveria deitar no lugar onde se tira o Raio X. Tirou um, dois...Passados uns cinco longos minutos  a mocinha veio com o resultado: nada consta. Ufa!

    Assinei um documento confirmando que estava ciente do resultado e fomos para fora do hospital, aguardar o outro colega do policial que havia ficado. Passado o susto, comecei a conversar com um deles, falar da minha profissão, do Brasil, etc. Ele disse que muitos latinos vão para a África do Sul com drogas, por se tratar de uma rota comum entre os traficantes. Ao me deixar no aeroporto me orientaram que fosse para Moçambique o mais breve possível, pois não queriam me encontrar novamente por ali.

    Não segui a orientação dos policiais, fui tomar um “breakfast” na praça de alimentação do aeroporto e depois procurar pela passagem para Maputo. De avião, sairia 2.400 “rands”, algo em torno de 700 reais; tomei outro susto. Perguntei para vários transeuntes onde poderia comprar uma passagem de ônibus para Maputo e recebi informações desencontradas, até que achei um taxista que  se dispôs a levar-me, por 200 “rands”, até a “bus station”.

    O motorista aparentava ter seus 50 anos e chamava-se Jake. Bastante comunicativo e atencioso, acompanhou-me até a cabine onde vendia a passagem. O preço, 250,00 “rands”, mas o ônibus sairia somente às 22:00. A opção mais econômica era essa, comprei a passagem e já estava imaginando o que faria naquela rodoviária onde, de fato, percebi-me em África, pois estava um lugar similar ao terminal Rodoviário do Tietê, lotado, e apenas eu, branco, "fora do ninho". Foi minha primeira percepção do que é ser branco em outro contexto sócio-cultural.

    Depois de comprar a passagem perguntei ao Jake quanto ele me cobraria para levar-me para conhecer o Soweto, bairro onde Mandela viveu e palco de diversas manifestações anti-apartheid, distante uns 15 quilômetros dali. Jake disse que ia entrar em contato com o seu patrão para negociar a corrida e convidou-me para tomar um café, depois de passar na casa de uma parenta sua. Após o contato, informou-me que faria por 600 “rands” para rodar por duas ou três horas por Joanesburgo e  Soweto. Pedi um desconto e fechamos por 500 rands, algo em torno de 130 reais.

    Visitei a casa onde Mandela viveu e o memorial Hector Pieterson, levantado em homenagem ao garoto de 13 anos morto em um protesto nos anos setenta, além de outros lugares. Chamou-me a atenção a enorme concentração de crianças naquela região, que aproveitam e se aglomeram nas redondezas desses pontos turísticos.
           
    De volta à rodoviária, esperei o ônibus por mais quatro horas. Enquanto isso lia algum livro ou dava uma volta na rodoviária, evitando que cochilasse em uma das cidades que está entre as mais perigosas do mundo, apelidada carinhosamente de “Josy” ou “Joburg” pelos locais.

    Estava em um ambiente em que muitos olhares se dirigiam a mim com um certo estranhamento, principalmente das criancinhas nos colos de suas mães ou a brincar na área de embarque. Deduzo que muitos deles nunca viram uma pessoa branca na vida.

    Despachei a mochila e embarquei. O ônibus em si era executivo, mas bem rodado e mal conservado. Chamou-me a atenção a informalidade com que o “cobrador” tratava as pessoas.  Só havia eu de branco no ônibus, cheio. Olhava os demais passageiros e imaginava quem seria e quem não seria falante da língua portuguesa, para onde iriam, o que faziam... Dormi boa parte da viagem, passamos na imigração e por fim adentrei-me em território moçambicano.

    Cheguei em Maputo por volta das 6 da manhã e fui de taxi até o “hostel” onde havia reservado minha vaga, só há dois “hosteis” em Maputo, o “Fátimas’s place” e o “The Bass”.

    Descansei-me até por volta das 14:00 e saí para conhecer a cidade. Parei em uma choperia, Mimo’s, onde recomendaram-me o caril de camarão, comida muito comum na cidade e deliciosa. Pedi um chope para dar uma aliviada no calor e solicitei informações a um grupo de cinco amigos que estava sentado à mesa ao lado. Informaram-me sobre os lugares para sair à noite, como a “Coconut”, balada eletrônica, além de “points”. Sentei-me com eles e passamos o restante da tarde conversando sobre diferenças étnicas, sociais, culturais, relação Brasil/África, influência das TV brasileira em Moçambique, etc.

    Depois da choperia convidaram-me para “tomar a saideira” no Maputo Shopping, em outro Mimo’s. Fui de carona com os meninos que logo apelidaram-me  mulungo mutxangana, que em Changana significa “branco gente boa”. Depois de muito chope trocamos contatos e combinamos de nos encontrar em outro momento na minha estada de 10 dias em Maputo.

    Nesse interin presenciei um compatriota destratando outro na choperia em que estávamos. Aqui no Brasil soaria estranho, no entanto, lá não, seria como um branco destratasse outro na Alemanha, por exemplo, visto que a predominância nesse contexto é de negros....talvez algum cidadão usasse aquela frase, que não concordo por envolver outras leituras por trás: são racistas com eles mesmos....

    No outro dia conheci um colega Francês, Sébastien Perrier Brunet, no hostel e planejamos fazer algumas “tours” pela cidade e adjacências.

    Entre outros fatos curiosos relacionados ao idioma, uma situação inusitada foi quando o francês resolveu ir a agência da Emirates para adiar seu retorno a Durban, antes de voltar ao seu país. Num momento ele falava em inglês com a atendente e em outro eu o auxiliava com a língua portuguesa, em outro eu perguntava em português algo a ele que me olhava e dizia: ã?, pois não sabia nada em português, muito menos eu em  francês. Um dado curioso é que ele estava apenas há um mês pela África e já se virava relativamente bem com o seu inglês, apesar de não ter estudado a língua anteriormente.

    Numa das ocasiões em que saíamos pela cidade fomos abordados por policiais que solicitaram-nos o passaporte. Eu não estava em posse dele, mas o francês estava. Enquanto um dos policiais conversava com meu colega o outro falava comigo sobre o Brasil e sua vontade de conhecer o nosso país. Aquele intimidava meu colega e fui me interar do assunto que disse que eu não poderia andar sem o passaporte pela cidade, que a polícia era mal remunerada, etc. Propus então que fossem conosco até o “hostel” buscá-lo, mas optaram por não ir. Conversa vai, conversa vem, perguntaram-nos aonde íamos. Disse que íamos ao caixa eletrônico e um deles nos perguntou “afirmando”: estarão a passar por aqui depois, né”? , insinuando que lhe trouxesse uma propina. Eu disse, sim...

    Retiramos o dinheiro do caixa eletrônico e paramos para tomar um café depois voltamos pela mesma calçada e ao  passar por eles meio a desviar o olhar, pois não devíamos nada, um deles nos olhou e disse: Já estão a voltar.... eu disse: opa! estamos sim, e seguimos.

    Outro dia resolvemos conhecer a Suazilândia, país vizinho. Viajando na maionese, cogitei a idéia de encontrar população indígena na cidade, vestida com suas indumentárias coloridas  ou até o Rei Mswati III com suas 14 mulheres...

    País com baixíssima expectativa de vida, 32 anos apenas, Mbabane, sua capital, apresenta uma semelhança estética com a cidade de Maputo. Rodamos pelo centro e sondamos a possibilidade de visitar uma reserva próxima, mas o valor cobrado pelo taxista não era atraente. Tomamos um café num lugar estranho, pessoas a nos olhar, depois fomos para o caótico ponto de ônibus/vans.

    Conseguimos embarcar no mesmo carro que nos levou. Nele vem muita gente de Maputo para comprar aves, carnes, etc. e depois comercializar esses itens na cidade.
    Foi uma viagem tensa, pois a polícia pode apreender a mercadoria, para que isso não ocorra é necessário que se dê propina. Uma van bastante barulhenta pois se ouvia, além da música alta,  discussão em língua local, pedido de ajuda fazer uma vaquinha  para pagar a polícia, gozação deles um com o outro, etc.

    Na imigração ficamos sabendo que não poderíamos voltar para Moçambique, pois o visto é único. A opção seria pagar na hora o valor, algo em torno de R$150,00, ou voltar para a cidade de Mabane e esperar até segunda-feira, quando pagaríamos um valor menor, em torno de R$ 30,00. O problema é que só tínhamos cartão, mas eles não aceitavam. Por sorte, o condutor da lotação se ofereceu para pagar  a taxa do visto e receber depois, em Maputo. Chegando em Maputo acertamos com o rapaz e agradecemos sua gentileza.

    À noite em Maputo não se vê muita opção para sair, talvez esta minha impressão se deve ao fato de morar em São Paulo. A danceteria mais conhecida é a “Coconut”, lugar onde se ouve música eletrônica, um “point” da classe média moçambicana.

    No outro dia fomos para Nhambane, na praia do Tofo, a cerca de seis horas de Maputo, novamente de van, mais conhecido como “chapa”. Lugar lindíssimo que equivale, em termos de beleza,  às nossas praias no sul do Brasil.  

    Logo mais volto pra continuar....
            

    1 comments:

    Roberta said...

    Que relato incrível!

    Estou ansiosa pela continuação!